Cansados da imagem de bons moços e fugindo dos caminhos fáceis, os integrantes do Fresno - ponto fora da curva do novo rock brasileiro – querem corrigir erros do passado e angariar o respeito de quem ainda os menospreza
"Isto aqui é um show de rock, porra!" Lucas Silveira, líder da banda Fresno, grita como se tivesse enfurecido com a plateia à sua frente. Diante dele e de seus companheiros, três mil pessoas lotam uma casa de shows em Santos (SP) - entre adolescentes no auge da acne, garotas com cabelo alisado e meninos que, sim, apesar do sucesso dos quatro integrantes com o público feminino, também sabem cantar cada verso das músicas do grupo.
Minutos antes, no camarim (uma sala modesta com frigobar, espelhos, uma garrafa de vinho pela metade, lanches e uma garrafa de uísque intocada), uma garota, em choro convulsivo, se agarra com força a Lucas, a cabeça em seu peito. O ídolo adolescente não parece confortável - menos ainda quando a menina é retirada à força, aos gritos de "eu te amo!" - e aparenta não estar em seu melhor dia. Enquanto Rodrigo Tavares, o baixista-estrela, conversa com todos, Lucas está isolado, provavelmente desabafando dores de amor com uma amiga, produtora da banda. Naquele dia, conforme contaria depois, ele havia se desentendido com a atual namorada, com quem está junto há cerca de seis meses.
Lucas sofre por amor, mas essa não é sua principal preocupação no momento: ele e Tavares, os homens de frente do Fresno, lutam para desfazer a imagem de "juvenil" que há anos permanece atrelada ao nome, às ações e à música da banda. É uma guerra de muitas batalhas: eles precisam destruir a percepção de que a única opção para os jovens brasileiros "não alternativos" é o pop rock romântico de letras pouco elaboradas e guitarras suavizadas que passam fulminantes pelas rádios e rapidamente caem no esquecimento. Precisam também superar a imagem de banda de rock pré-fabricada, apenas uma entre tantas que atuam sob a tutela do produtor Rick Bonadio. Com Revanche, o quinto disco de estúdio (segundo com o respaldo de uma gravadora grande, a Universal), o quarteto gaúcho marcou território como um grupo amadurecido, porém amargurado com as confusões profissionais e decidido a confirmar uma identidade própria dentro do cada vez mais minguado cenário do rock nacional. E ainda devem brigar por popularidade entre os jovens que hoje, como define Tavares, "sonham em ser o Justin Bieber, em vez de sonhar em ser o Axl [Rose]".
"Dia desses", começa Lucas, "chegou um cara no supermercado perguntando se eu era irmão de um músico. Eu disse que sim. 'Legal a banda do seu irmão, como é o nome mesmo? Restart?'" Em tom de deboche, Lucas é taxativo: "Na cabeça do grosso da população, existe a 'banda Bonadio', uma grande banda de 50 pessoas". A confusão também não desperta bons sentimentos em Tavares. "Porra, eu não faço coraçãozinho [com as mãos], não mando beijo pra ninguém. No microfone, não chamo ninguém de meu amor. Vá se foder! Não sou do Restart: tenho 28 anos e sou grisalho!"
Não vem apenas da falta de conhecimento do público essa "crise de identidade": quando assinou contrato com Rick Bonadio para gravar o álbum Redenção, em 2008, o Fresno assumiu decisões que colaboraram para o crescimento do preconceito e ajudaram a marcar a fogo um rótulo que jamais vem desacompanhado de um sorriso irônico de seus detratores: o de "banda emo". Com Redenção, o grupo, que já tinha três outros álbuns na bagagem e uma sólida base de fãs no underground, se viu arremessado ao mainstream com três singles românticos consecutivos tocando em rádios - "Uma Música", "Alguém Que Te Faz Sorrir" e "Desde Quando Você Se Foi". Escapar da pecha de "apenas mais uma banda como as outras" começou para o quarteto como uma tarefa quase impossível. Mesmo que essas letras - de cunho sentimental e confessional, compostas pela mente ágil e inquieta de Lucas Silveira - fujam à rima fácil da média de artistas brasileiros, a banda que antes surfava o hype do mundo alternativo se viu alvo fatal do ódio dos roqueiros - talvez os mesmos de quem hoje o Fresno almeja respeito.
"Tem uma coisa que é normal: tu se impressionar com o sucesso que uma música pode fazer. E tu querer repetir aquilo", reflete Lucas, parecendo desconfortável na cadeira. "É a coisa do deslumbre. Tu acha aquele sucesso tão legal que esquece que talvez aquela música não tenha muito a ver, que aquele não era o single que tu queria. Um ano depois, vê o resultado e a galera no show reclamando que tem gente pulando. Teve um show em que gritei 'Vamo quebrar tudo!', e vi a cara [de reprovação] de uma menina na frente. Então vai se foder, vai pro fundo! Ou fica em casa!"
O Fresno (ou a Fresno, de acordo com seus próprios integrantes) nasceu em 1999, no grêmio estudantil do colégio particular Pastor Dohms, em Porto Alegre. Os então adolescentes Lucas Silveira e Vavo Mantovani (o guitarrista, integrante mais certinho do quarteto, uma espécie de enciclopédia humana da história do Fresno), ao lado de Pedro Cupertino (bateria), Bruno "Lezo" Teixeira (baixo) e Leandro Pereira (vocal) fizeram o primeiro show em um festival da escola, no início de 2000. A segunda apresentação veio menos de seis meses depois, no mesmo colégio, mas com o repertório de covers trocado por músicas próprias - compostas por Lucas, mas cantadas por Leandro, que mais tarde seria demitido da banda via internet. Até então o quinteto se chamava Democratas (a substituição ocorreu quando Vavo descobriu um grupo homônimo em uma busca pelas músicas de sua própria banda no Napster).
Na época ainda um território desconhecido para muitos, a web foi um diferencial na carreira do Fresno, que ficou conhecido por ser um dos mais bem-sucedidos exemplos da divulgação eficiente na era digital. Desde a gênese da banda, seus integrantes estabeleceram uma intensa frente de divulgação no mundo virtual: enquanto se comunicavam com artistas de outros estados, Lucas gravava versões de voz e violão das músicas e as divulgava com a ajuda de amigos. Assim, o Fresno foi lentamente se tornando conhecido além do circuito de Porto Alegre, tendo feito seu primeiro show fora da cidade em 2002. A passos calculados - pouco ou nada nessa trajetória pode ser chamado de golpe de sorte -, o grupo cativou um público fiel, muito antes de vender as 100 mil cópias de Redenção.
De 55 pagantes no primeiro show não escolar (em 2001, na casa noturna Garagem Hermética, em Porto Alegre) até apresentações em rodeios com 20 mil pagantes, muita coisa mudou na vida dos rapazes. Mas o fator definidor da banda pode ser considerado a entrada de Rodrigo Tavares, ainda que isso não seja assumido diretamente pelos integrantes. "Imagino que pro Lucas e pro Vavo tenha sido um terremoto quando eu cheguei", analisa Tavares, "porque a postura [do grupo] era muito careta". Ele - um homem esguio e tatuado, com a barba por fazer e, apesar da aparência quase agressiva, com os olhos carismáticos de quem sabe convencer seu interlocutor, sem esforço - está à mesa de um bar na Vila Madalena, São Paulo, segurando um cigarro aceso, falando rápido e pelos cotovelos. "O Nick, técnico de som, que é o único da equipe que entrou antes mim, diz que antes não se podia fazer nada. No ônibus não se podia fumar, não se podia beber. Eu cheguei cheio de problema, cheio de remédio, cheio de maconha", ele diz. "Eu passava a imagem do louco, mas com o tempo isso foi se moldando, emparelhou à loucura de todos, com uma vantagem para o Vavo, que ainda é o mais santo."
Assim como Lucas, que também tem os dois braços fechados por tatuagens, Tavares fala como se há tempos precisasse de alguém para escutá-lo. Em um país marcado por artistas politicamente corretos e calejados em orientações restritivas quanto à imprensa, o gaúcho de 28 anos não parece utilizar qualquer tipo de freio verbal. "Eu tinha 15 pra 16 anos e era junkie, terminei o primeiro grau no supletivo. Tomava qualquer coisa que me dessem", ele lembra, afirmando nunca ter experimentado cocaína - um amigo seu ("um ídolo") cometeu suicídio aos 21 anos, depois de se viciar na droga. É Tavares quem puxa o assunto das drogas para em seguida citar a falta de liberdade de expressão e se declarar veementemente a favor da legalização da maconha. "Se eu levantasse a bandeira da maconha no Brasil, estaria fodido, porque sou da Fresno. O [Marcelo] D2 pode, eu não posso. Mas eu queria muito levantar, se não fosse ser preso. Se não fosse por isso eu tava lá na [avenida] Paulista gritando, e foda-se todo mundo", ele proclama, em um só fôlego.
Lucas sofre por amor, mas essa não é sua principal preocupação no momento: ele e Tavares, os homens de frente do Fresno, lutam para desfazer a imagem de "juvenil" que há anos permanece atrelada ao nome, às ações e à música da banda. É uma guerra de muitas batalhas: eles precisam destruir a percepção de que a única opção para os jovens brasileiros "não alternativos" é o pop rock romântico de letras pouco elaboradas e guitarras suavizadas que passam fulminantes pelas rádios e rapidamente caem no esquecimento. Precisam também superar a imagem de banda de rock pré-fabricada, apenas uma entre tantas que atuam sob a tutela do produtor Rick Bonadio. Com Revanche, o quinto disco de estúdio (segundo com o respaldo de uma gravadora grande, a Universal), o quarteto gaúcho marcou território como um grupo amadurecido, porém amargurado com as confusões profissionais e decidido a confirmar uma identidade própria dentro do cada vez mais minguado cenário do rock nacional. E ainda devem brigar por popularidade entre os jovens que hoje, como define Tavares, "sonham em ser o Justin Bieber, em vez de sonhar em ser o Axl [Rose]".
"Dia desses", começa Lucas, "chegou um cara no supermercado perguntando se eu era irmão de um músico. Eu disse que sim. 'Legal a banda do seu irmão, como é o nome mesmo? Restart?'" Em tom de deboche, Lucas é taxativo: "Na cabeça do grosso da população, existe a 'banda Bonadio', uma grande banda de 50 pessoas". A confusão também não desperta bons sentimentos em Tavares. "Porra, eu não faço coraçãozinho [com as mãos], não mando beijo pra ninguém. No microfone, não chamo ninguém de meu amor. Vá se foder! Não sou do Restart: tenho 28 anos e sou grisalho!"
Não vem apenas da falta de conhecimento do público essa "crise de identidade": quando assinou contrato com Rick Bonadio para gravar o álbum Redenção, em 2008, o Fresno assumiu decisões que colaboraram para o crescimento do preconceito e ajudaram a marcar a fogo um rótulo que jamais vem desacompanhado de um sorriso irônico de seus detratores: o de "banda emo". Com Redenção, o grupo, que já tinha três outros álbuns na bagagem e uma sólida base de fãs no underground, se viu arremessado ao mainstream com três singles românticos consecutivos tocando em rádios - "Uma Música", "Alguém Que Te Faz Sorrir" e "Desde Quando Você Se Foi". Escapar da pecha de "apenas mais uma banda como as outras" começou para o quarteto como uma tarefa quase impossível. Mesmo que essas letras - de cunho sentimental e confessional, compostas pela mente ágil e inquieta de Lucas Silveira - fujam à rima fácil da média de artistas brasileiros, a banda que antes surfava o hype do mundo alternativo se viu alvo fatal do ódio dos roqueiros - talvez os mesmos de quem hoje o Fresno almeja respeito.
"Tem uma coisa que é normal: tu se impressionar com o sucesso que uma música pode fazer. E tu querer repetir aquilo", reflete Lucas, parecendo desconfortável na cadeira. "É a coisa do deslumbre. Tu acha aquele sucesso tão legal que esquece que talvez aquela música não tenha muito a ver, que aquele não era o single que tu queria. Um ano depois, vê o resultado e a galera no show reclamando que tem gente pulando. Teve um show em que gritei 'Vamo quebrar tudo!', e vi a cara [de reprovação] de uma menina na frente. Então vai se foder, vai pro fundo! Ou fica em casa!"
O Fresno (ou a Fresno, de acordo com seus próprios integrantes) nasceu em 1999, no grêmio estudantil do colégio particular Pastor Dohms, em Porto Alegre. Os então adolescentes Lucas Silveira e Vavo Mantovani (o guitarrista, integrante mais certinho do quarteto, uma espécie de enciclopédia humana da história do Fresno), ao lado de Pedro Cupertino (bateria), Bruno "Lezo" Teixeira (baixo) e Leandro Pereira (vocal) fizeram o primeiro show em um festival da escola, no início de 2000. A segunda apresentação veio menos de seis meses depois, no mesmo colégio, mas com o repertório de covers trocado por músicas próprias - compostas por Lucas, mas cantadas por Leandro, que mais tarde seria demitido da banda via internet. Até então o quinteto se chamava Democratas (a substituição ocorreu quando Vavo descobriu um grupo homônimo em uma busca pelas músicas de sua própria banda no Napster).
Na época ainda um território desconhecido para muitos, a web foi um diferencial na carreira do Fresno, que ficou conhecido por ser um dos mais bem-sucedidos exemplos da divulgação eficiente na era digital. Desde a gênese da banda, seus integrantes estabeleceram uma intensa frente de divulgação no mundo virtual: enquanto se comunicavam com artistas de outros estados, Lucas gravava versões de voz e violão das músicas e as divulgava com a ajuda de amigos. Assim, o Fresno foi lentamente se tornando conhecido além do circuito de Porto Alegre, tendo feito seu primeiro show fora da cidade em 2002. A passos calculados - pouco ou nada nessa trajetória pode ser chamado de golpe de sorte -, o grupo cativou um público fiel, muito antes de vender as 100 mil cópias de Redenção.
De 55 pagantes no primeiro show não escolar (em 2001, na casa noturna Garagem Hermética, em Porto Alegre) até apresentações em rodeios com 20 mil pagantes, muita coisa mudou na vida dos rapazes. Mas o fator definidor da banda pode ser considerado a entrada de Rodrigo Tavares, ainda que isso não seja assumido diretamente pelos integrantes. "Imagino que pro Lucas e pro Vavo tenha sido um terremoto quando eu cheguei", analisa Tavares, "porque a postura [do grupo] era muito careta". Ele - um homem esguio e tatuado, com a barba por fazer e, apesar da aparência quase agressiva, com os olhos carismáticos de quem sabe convencer seu interlocutor, sem esforço - está à mesa de um bar na Vila Madalena, São Paulo, segurando um cigarro aceso, falando rápido e pelos cotovelos. "O Nick, técnico de som, que é o único da equipe que entrou antes mim, diz que antes não se podia fazer nada. No ônibus não se podia fumar, não se podia beber. Eu cheguei cheio de problema, cheio de remédio, cheio de maconha", ele diz. "Eu passava a imagem do louco, mas com o tempo isso foi se moldando, emparelhou à loucura de todos, com uma vantagem para o Vavo, que ainda é o mais santo."
Assim como Lucas, que também tem os dois braços fechados por tatuagens, Tavares fala como se há tempos precisasse de alguém para escutá-lo. Em um país marcado por artistas politicamente corretos e calejados em orientações restritivas quanto à imprensa, o gaúcho de 28 anos não parece utilizar qualquer tipo de freio verbal. "Eu tinha 15 pra 16 anos e era junkie, terminei o primeiro grau no supletivo. Tomava qualquer coisa que me dessem", ele lembra, afirmando nunca ter experimentado cocaína - um amigo seu ("um ídolo") cometeu suicídio aos 21 anos, depois de se viciar na droga. É Tavares quem puxa o assunto das drogas para em seguida citar a falta de liberdade de expressão e se declarar veementemente a favor da legalização da maconha. "Se eu levantasse a bandeira da maconha no Brasil, estaria fodido, porque sou da Fresno. O [Marcelo] D2 pode, eu não posso. Mas eu queria muito levantar, se não fosse ser preso. Se não fosse por isso eu tava lá na [avenida] Paulista gritando, e foda-se todo mundo", ele proclama, em um só fôlego.
creditos: rolling stone
Muito bom o post!
ResponderExcluir^^